A relação profunda entre mãe e filho

Desde o momento da concepção, há uma relação profunda entre mãe e filho, sob os aspectos físico, psicológico e espiritual. A relação física, via cordão umbilical, estabelece uma efetiva interdependência, sob pena de não chegar ao fim a gestação, conforme as leis da natureza.

A ciência demonstra que, na fase da gestação, a relação afetiva da mãe com o embrião/feto é sumamente importante, em vista de um harmonioso desenvolvimento de sua personalidade. A dimensão espiritual da relação entre mãe e filho revela-se sempre consistente, qualquer que seja a linguagem do sentimento que expressa alegria, tristeza, confiança, apreensão. A relação entre mãe e filho é de caráter existencial. A mãe percebe isso, racional e afetivamente. Assim, as mães sabem, por experiência, que esse “denominador comum”, a maternidade, as torna mais próximas e mais solidárias, nas alegrias e adversidades do dia a dia. De seu lado, o coração do filho é o melhor termômetro de identificação do amor materno, sempre solidário.

Em razão de sua natureza e missão, a vocação à maternidade é um “chamado à santidade”. O Papa Francisco, em sua Exortação apostólica Gaudete et Exsultate, “sobre o chamado à santidade no mundo atual”, escreve: “Todos somos chamados a ser santos, vivendo com amor e oferecendo o próprio testemunho nas ocupações de cada dia, onde cada um se encontra. És uma consagrada ou um consagrado? Sê santo, vivendo com alegria a tua doação. Estás casado? Sê santo, amando e cuidando do teu marido ou da tua esposa, como Cristo fez com a Igreja. És um trabalhador? Sê santo, cumprindo com honestidade e competência o teu trabalho ao serviço dos irmãos. És progenitor, avó ou avô? Sê santo, ensinando com paciência as crianças a seguirem Jesus. Estás investido em autoridade? Sê santo, lutando pelo bem comum e renunciando aos teus interesses pessoais.” (GE, n. 14)

Na Sagrada Escritura e na história da Igreja, há mulheres que são autênticas referências de maternidade e de santidade. Nesse sentido, a Igreja Católica ensina que Maria é o protótipo de mulher, filha, esposa e mãe. Sua maternidade, que é de natureza divina, ao gerar Jesus, “concebido pelo poder do espírito Santo”, estende-se, espiritualmente, a quem faz a vontade de Deus: “Muita gente estava sentada em volta de Jesus, e lhe disseram: ‘Olha, tua mãe, teus irmãos e tuas irmãs te procuram lá fora.’ Ele lhes respondeu: ‘Quem é minha mãe e meus irmãos?’ E olhando em volta para os que estavam sentados ao seu redor, Jesus disse; ‘Eis minha mãe e meus irmãos. Pois que fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, minha irmã e minha mãe’.” (Mc 3, 32-35)

No seu calendário santoral, a Igreja propõe aos fiéis a imitação de homens, de mulheres, de casais, de filhos e filhas que, no seu tempo e lugar, cultivaram a santidade, inerente à sua vocação, como ideal de vida. Como exemplo, a Igreja celebra a memória de uma mãe e de um filho – Santa Mônica e Santo Agostinho –, respectivamente, nos dias 27 e 28 de agosto. Antes de morrer, tendo Agostinho ao seu lado, ela disse: “Filho, quanto a mim, nada mais me agrada nesta vida.

Que faço ainda e por que ainda aqui estou, não sei. Toda a esperança terena já desapareceu. Uma só coisa fazia-me desejar permanecer por algum tempo nesta vida: ver-te cristão católico, antes de morrer. Deus me atendeu com a maior generosidade, porque te vejo até como seu servo, desprezando a felicidade terrena. Que faço aqui?” De sua parte, Santo Agostinho, sempre assistido e acompanhado por Santa Mônica, após “uma juventude perturbada, quer intelectualmente, quer moralmente, converteu-se e foi batizado”.

Ele testemunha em suas Confissões: “Tarde te amei, ó beleza tão antiga e tão nova, tarde te amei! Eis que estavas dentro e eu, fora. E aí te procurava e lançava-me nada belo ante a beleza que tu criaste. Estavas comigo e eu não contigo. Seguravam-me longe de ti as coisas que não existiriam, se não existissem em ti. Chamaste, clamaste e rompeste minha surdez, brilhaste, resplandeceste e afugentaste minha cegueira. Exalaste perfume e respirei. Agora anelo por ti. Provei-te, e tenho fome e sede. Tocaste-me e ardi por tua paz.”

Nesses tempos de agressão à vida intrauterina, mediante a prática do Aborto, e a mobilização pela sua descriminalização, a defesa da vida, que é um dom de Deus, sempre deve ser feita por quem tem coração e fé. A relação entre mãe e filho, com seus traços físicos, psicológicos e espirituais, se fortalece com a voz da ternura e a força do amor.

Dom Genival Saraiva
Bispo Emérito de Palmares (PE)

CNBB / Portal Kairós

Reflita sobre a Igreja Una, Santa, Católica e Apostólica

Uma Igreja Santa

Neste artigo, serão tratados alguns aspectos a respeito do atributo “santa”. Assim, quero afirmar, logo nas primeiras linhas deste artigo, que a nossa Igreja é santa! Uma vez feita essa afirmação, pode surgir, então, uma pergunta: “Como crer, firmemente, que a Igreja é realmente Santa diante de tantos escândalos apresentados pelos noticiários televisivos, pelas revistas e a internet?”.

Situações de desvios dentro da Igreja

Sem muito procurar, encontramos casos gravíssimos de pedofilia, roubo, desvios de dinheiro e heresias praticadas por tantos membros indignos que estão bem longe de dar testemunho da verdade e de santidade. Repito, então, a pergunta: “Como ainda podemos afirmar que a Igreja Católica é santa diante de tantos escândalos e pecados?” “Será mesmo que a Igreja Católica é santa?”.

Essa pergunta, um tanto capciosa, é respondida pelo Catecismo da Igreja Católica, no parágrafo 823, de forma concisa e direta, quer dizer, sem deixar margem para especulações: “A Igreja é, aos olhos da fé, indefectível”, ou seja, sem defeito nenhum.

Muitas pessoas podem estar cometendo um engano ao dizer que a Igreja é santa e pecadora. Essa expressão, muitas vezes ditas a esmo, pode ser deficiente ou não expressar uma verdade. O mais correto seria dizer que a Igreja é santa, formada por membros pecadores. A Igreja não é pecadora! De forma nenhuma! A diferença é sutil, mas é muito importante que sejam feitas essas distinções.

A “doença” está nos membros da Igreja, não na Igreja

Certa vez, ouvi uma explicação muito interessante de um padre. Ela pode ser usada como um bom meio para explicar essa situação que levantamos. Tente imaginar um grande clube, desses que possuem várias piscinas e tobogãs que fazem o maior sucesso no verão. Agora tente imaginar que uma parte dos sócios desse clube foram acometidos por uma doença qualquer.

Diante desse quadro, seria correto afirmar que o clube está doente? Claro que não! O clube está lá, pronto para receber seus sócios, porém, alguns não o podem frequentar, porque estão doentes. O clube, portanto, não está doente, mas alguns sócios desse clube estão doentes.

Sei que a comparação é bastante simplória, mas nos ajuda a bem entender a afirmação: “A Igreja é santa, mas formadas por pecadores”. Assim, deveríamos ter mais atenção ao afirmarmos simplesmente que a Igreja é pecadora.

Papas pedem perdão pelos erros cometidos pelos filhos da Igreja

No ano 2000, quando a Igreja e o mundo se preparavam para a chegada do Novo Milênio, o Papa São João Paulo II tomou uma atitude que movimentou os noticiários de todo mundo. Ele veio a público e pediu perdão pelos pecados cometidos pelos filhos da Igreja. Mas, o que foi noticiado pela mídia de todo o mundo foi algo bem diferente.

Basta uma rápida pesquisa nos sites de busca e você mesmo poderá comprovar. As notícias receberam os seguintes títulos: “Papa pede perdão por abusos da Igreja Católica” ou “O Papa João Paulo II pediu perdão pelos erros da Igreja”. Perceba bem, os noticiários dão conta que os “abusos” ou os “erros” foram cometidos pela Igreja.

Mais recentemente, foi a vez do Papa Francisco fazer pedidos de perdão em nome da Igreja e, mais uma vez as notícias receberam os seguintes títulos: “Papa Francisco pede perdão a Deus por falhas da Igreja” ou “Papa pede perdão pelos horrores cometidos pela Igreja”. Aqui, as “falhas” e os “horrores” também foram colocados na conta da Igreja.

Equívocos midiáticos

Note que, tanto no primeiro exemplo quanto no segundo, o erro é sempre da Igreja, nunca dos seus membros. Não se trata de fazer rigorismos com os títulos dessas notícias, mas os ajustar para que a Doutrina e o pensamento da Igreja não sejam feridos inadvertida ou indevidamente por maldade ou ignorância. Em ambos os casos, tanto o Papa São João Paulo II quanto o Papa Francisco não estavam pedindo perdão pelos pecados da Igreja, afinal, ela não é pecadora, mas pelos pecados cometidos por seus filhos.

Esta humilde conduta por parte da Igreja pode ser comparada à conduta de uma mãe que pede perdão a alguém que fora ofendido por seu filho. Não foi ela, a mãe, que cometeu a ofensa, porém, ela se sente responsável pela má conduta de seu filho. Certamente, a Igreja, ao fazer isso, está seguindo o ensinamento de Jesus que, mesmo sem ter pecado nenhum, fez-se pecador para trazer ao mundo a salvação.

A Igreja ajuda seus fiéis a alcançarem a perfeição

Para concluir, o bem-aventurado Paulo VI, no número 19 do “Motu Proprio”, lançado em 1968, em virtude da conclusão do “Ano da Fé”, afirma que a Igreja “é santa, apesar de incluir pecadores no seu seio”. Sendo assim, ela – a Igreja – “sofre e faz penitência por essas faltas”. Faltas essas, assumidas por Cristo na Cruz. O parágrafo 827 do Catecismo da Igreja Católica ainda completa afirmando que a Igreja reúne “pecadores alcançados pela salvação de Cristo, mas ainda em via de santificação”.

Sempre evite dizer que a Igreja é pecadora, pois ela não o é. Diga sempre que puder: a Igreja é santa e indefectível.

Conclusão:

No próximo artigo, trataremos o terceiro atributo da Igreja: “Católica”. Por que a Igreja é católica? Caso não queira esperar pelo próximo artigo, você já pode fazer a leitura do parágrafo 830 e seguintes do Catecismo da Igreja Católica.

Deus abençoe você. Até a próxima!

Seminarista Gleidson de Souza Carvalho (Instagram: @cngleidson)
Missionário da Comunidade Canção Nova

Canção Nova / Portal Kairós

Como fortalecer as próprias escolhas?

É preciso escolher, mas também fortalecer as escolhas sem desanimar diante dos obstáculos

Na certeza de que podemos sempre escolher e de que a escolha é sempre um ato livre de vontade, é preciso também saber fortalecer as escolhas feitas, para não ficar somente em belas frases prontas.

Quem escolhe e não fortalece a própria escolha acaba ficando sem nenhuma delas, pois as duas opções passarão.

Seja firme na sua escolha

Quando falo de fortalecer a escolha feita, quero dizer que não se deve buscar outras escolhas. Muito pelo contrário, volta-se à escolha feita, todos os dias, para que ela não se perca nem se enfraqueça; afinal de contas, o amor que não é dito é perdido.

Escolher e não corresponder à própria escolha, muito mais que um prejuízo, é uma verdadeira traição a si mesmo. Por quê? Quando se faz uma escolha, gasta-se certa dosagem de neurônios, pois é preciso avaliar as partes e as opções que se têm.

Gastamos tempo pensando naquilo que será mais prazeroso e melhor para nós. Empenhamos certa esperança, pois, no ato da escolha, não temos ainda o resultado que virá no pós-escolha, por isso, cria-se certa espera no resultado, e isso nos desgasta um pouco. Por essa razão, quando não correspondemos à escolha feita por nós, promovemos uma verdadeira traição não aos outros, mas a nós mesmos, ao nosso desgaste, à nossa esperança, ao nosso tempo.

Saber escolher é uma arte que precisa e pode ser aprendida por cada pessoa. É claro que, ao fazermos uma escolha, por ainda não termos o resultado final, corremos o risco de nos decepcionarmos, pois aquilo que foi escolhido não é capaz de corresponder com as nossas expectativas. Aqui está o problema: no ato da escolha, estamos escolhendo a coisa em si ou aquilo que achamos que seja a coisa em si.

Por que devemos escolher confiar e esperar?

Não deixe de escolher por medo

Nos nossos tempos, estamos vivendo um fenômeno diferente. Diante da possibilidade de a nossa escolha não dar certo, não estamos fazendo nenhuma. Ou seja, para não correr o risco de nos decepcionarmos, não escolhemos nada.

Com medo da frustração que cada escolha tem, é melhor não escolher nem assumir um compromisso definitivo. Escolher é contar com a realidade de uma satisfação: a de poder escolher. E também de uma frustração: a de não poder escolher tudo. Enquanto se escolhe com a pretensão de não viver a frustração, não se faz uma escolha definitiva, mas uma tentativa de vida feliz, e não um verdadeiro investimento que empenha a própria vida, para que ela seja feliz.

A escolha não é um investimento sobre a circunstância de uma vida sem problemas, sem dores nem sofrimentos, mas o investimento da verdadeira liberdade interior, que não é condicionada pelo externo, mas por Aquele que está dentro, o essencial: Deus.

Padre Anderson Marçal

Padre da Igreja Católica Apostólica Romana. Natural da cidade de São Paulo (SP), padre Anderson é membro da comunidade Canção Nova desde o ano 2000. No dia 16 de dezembro de 2007, foi ordenado sacerdote. Estudou Teologia Pastoral Bíblica-Litúrgica na Universidade Salesiana de Roma.

O oitavo mandamento para evitar as notícias falsas

Fakes News

Quando Moisés desceu da montanha com a tábua dos 10 mandamentos trazia um ensinamento que serviria de alerta contra as fake news (notícias falsas): “não levantarás falso testemunho”. Mesmo que na época a velocidade da comunicação fosse incomparavelmente inferior à dos tempos atuais, a atitude por lá parecia incômoda. A mentira, bem contada, com certas doses de verdade, pode convencer.

Se eu enxergasse a realidade sob a mesma ótica de minha mãe, certamente nem vivo estaria. Ela, 74 anos, viúva, companheira da solidão dos dias e da televisão, se acostumou a ver o mundo através de telejornal. Em sua mente ronda o pavor das cidades grandes, cheias de roubos, assassinatos, desastres etc. Que sorte tem minha mãe: ela não acessa a internet.

Até 2025, de acordo com dados do IBGE, 31,8 milhões de pessoas com mais de 60 anos deverão ter acesso à rede. Por enquanto, minha mãe sequer tomou conhecimento do grupo dos 130 milhões de usuários de whatsapp e do outro de 130 milhões, no Facebook.

A internet, além de instrumento de diversão, com o tempo ganhou o potencial de colocar em risco a vida das pessoas. Foi assim com Fabiane Maria de Jesus, que morreu em 2014 espancada, após ser confundida, através do Facebook, com uma sequestradora de crianças.

Há pouco tempo circulava pela rede o cancelamento da bíblia pelo Papa Francisco. A fake news sugeria a repaginação de outra: “Papa Francisco surpreendeu o mundo hoje ao anunciar que a Bíblia está totalmente desatualizada e precisa de uma mudança radical, por isso a Bíblia é oficialmente cancelada e é anunciada uma reunião entre as personalidades mais altas da igreja onde (sic) será  decidido o livro que a substituirá”.

E deram até sugestão de nome: “Bíblia 2000”. O texto trazia o argumento de que a mudança vinha da exigência dos novos tempos: substituir a formalidade da escrita e a constante perda de seguidores da Igreja. Ao final, concluía que a “notícia” havia caído “como uma bomba entre os mais conservadores”. O convencimento de fake news, em geral, faz uso da ideia de abalar psicologicamente o receptor ao gerar pânico, medo, raiva, entre outros sentimentos.

Na ainda recente greve dos caminhoneiros, se pôde observar muitos deles.  A fúria da paralisação organizada via Whatsapp deixou governo, motoristas e população em completo alvoroço. Não se sabia em quem confiar.

No tráfego cotidiano de notícias, as fake news saíram do acostamento e trafegaram livremente por vias mentirosas: intervenção militar baseada em pronunciamento de supostos militares graduados, deslocamento de tropas, destruição de veículos etc. Pelo Youtube, um indivíduo anunciava até congelamento de contas bancárias pelo governo. A implantação do caos nas entrelinhas revelava interesses (ocultos) pelo poder.

Se por um lado a interatividade do meio liberta do cativeiro opiniões criativas, por outro, evidencia a força da mídia na construção do estereótipo de uma vida baseada em ideias tolas. O mundo da falsa informação é construído de fantasias, como que aparentemente imaginadas em mesa de botequim: profecias apocalípticas, golpes de estado, pena de morte etc. Os principais criadores de fake news investem na ingenuidade, na fraca formação cultural, na falta de conhecimento.

A velocidade da internet acelera o coro dos “especialistas” de qualquer assunto. No ano passado, o Facebook tomou a iniciativa de alterar o algoritmo a fim de checar o envio automático de publicações suspeitas. A empresa criou até botão de contexto junto às postagens, assim, o usuário saberá da reputação do veículo noticioso.

A evolução dos tempos trará novas ferramentas de comunicação e interatividade, mas dificilmente impedirá a prática imoral tanto de quem cria a falsa notícia quanto de quem a compartilha. Ao passar adiante uma falsa informação, o divulgador, mesmo sem a intenção de prejudicar, expõe sua personalidade a quem lê.

No tempo de Jesus circulou a notícia de que Ele não havia ressuscitado. Tentou-se fazer correr à boca pequena a notícia de que os discípulos haviam roubado o corpo do Messias. E a procissão dos fazedores de notícia falsa em procura de autossatisfação prossegue.

Ao longo de mais de dois mil anos, pouco se percebe de evolução na personalidade humana no que se refere ao oitavo mandamento, agora, aliás, em versão digital. Para evitá-lo,  basta recorrer ao silêncio. Já disse Jesus: “o que contamina a pessoa não é o que entra na sua boca, mas o que sai por ela” (Mt 15,11).

Versão oficial em português do hino da JMJ Panamá 2019 é lançado

Pedro Teixeira
Repórter do telejornal Canção Nova Notícias
Canção Nova / Portal Kairós

A quem você quer servir?

Trata-se agora de escolher a quem você quer servir: ao Senhor ou ao seu comodismo e fechamento?

Após a libertação do Egito, quando Moisés vislumbrou a terra prometida, viu que seus dias chegavam ao fim, carregado de anos e de alegria pela amizade com Deus, com quem a Escritura diz que falava “face a face” (cf. Dt 34,1-12). Poucas pessoas receberam de forma tão clara um apelativo de tamanha dignidade! Tendo chorado a morte de Moisés, coube a Josué conduzir o povo pela desafiadora saga que se abria no horizonte, a travessia do Jordão e a instalação no novo ambiente.

Como acontecera em outras ocasiões, também aqui o povo de Deus passou por uma crise. Basta lembrar as dificuldades que antecederam, acompanharam e se seguiram à travessia do Mar Vermelho, as crises por causa de água e alimento, a idolatria e daí por diante. De fato, a honra do povo hebreu residia em ter sido escolhido por gratuidade, não por ser melhor do que os outros povos. Pois bem, agora, os desafios são a novidade da terra enfim alcançada, a divisão dos espaços, os conflitos tribais. Josué convoca a Assembleia em Siquém e, ao fim, a pergunta decisiva a ser respondida pelo povo escolhido: “Se vos desagrada servir ao Senhor, escolhei hoje a quem quereis servir: se aos deuses a quem vossos pais serviram no outro lado do rio ou aos deuses dos amorreus, em cuja terra habitais. Quanto a mim e à minha família, nós serviremos ao Senhor”. O povo respondeu: “Longe de nós abandonarmos o Senhor para servir a deuses alheios. Portanto, nós também serviremos ao Senhor, porque ele é nosso Deus”. Então Josué disse ao povo: “Não podeis servir ao Senhor, pois ele é um Deus santo, um Deus ciumento, que não suportará vossas transgressões e pecados. Se abandonardes o Senhor e servirdes a deuses estranhos, ele se voltará contra vós e, depois de vos ter tratado tão bem, vos tratará mal e vos aniquilará”. O povo, porém, respondeu a Josué: “Não! É ao Senhor que serviremos” (Js 24,15-16.20-21).

E assim aconteceu muitas vezes, pois a vicissitudes do caminho e as limitações humanas provocaram inúmeras crises e chamadas de atenção, para que as pessoas retomassem a estrada da fidelidade a Deus. Trata-se do desafiador mistério da liberdade humana, que pode sempre cair na esparrela do pecado. Nem as pessoas ou as comunidades estão isentas.

Quando Jesus chamou Seus discípulos, também ali aconteceram crises, deserções, negações e traições. Os Evangelhos Sinóticos, Mateus, Marcos e Lucas expressam uma das maiores crises dos que seguiam o Senhor, justamente na confissão de fé feita por Simão Pedro, aquele que, malgrado suas limitações pessoais, foi escolhido como ponto de referência de unidade da Igreja. O escândalo, no sentido original de pedra de tropeço, foi o anúncio da cruz, do sofrimento e da morte. O Evangelho de São João (cf. Jo 6,60-69) descreve outra situação, considerada também uma virada de página na vida dos discípulos, e esta se encontra justamente no desconcertante anúncio da Eucaristia (Jo 6,51). Muitos consideraram muito dura a palavra que convidava a comer a carne e beber o sangue! Tantos voltaram atrás e não andavam mais com Jesus. A todos vai a pergunta e a resposta cabe a Simão Pedro: “Jesus disse aos Doze: ‘Vós também quereis ir embora?’ Simão Pedro respondeu: ‘A quem iremos, Senhor? Tu tens palavras de vida eterna’” (Jo 6,67-68). Até hoje os cristãos e a Igreja repetem a mesma palavra de Pedro.

Afastamento de Jesus e da Igreja

Em nosso tempo, muitos são os motivos que podem levar as pessoas a se afastarem de Jesus e da Igreja. Um deles é justamente a proposta da vida sacramental. Pode carecer de emoções e de teatralidade a fiel participação na Santa Missa, especialmente no dia do Senhor, o Domingo, já que este se transformou para muitos mais no dia do lazer e do descanso, ainda que também o descanso seja prescrito na lei de Deus. Que dizer da confissão, onde um homem, também ele frágil e pecador, ousa escutar as nossas misérias e absolver em nome de Deus? Trata-se agora de escolher a quem você quer servir: ao Senhor ou seu comodismo e fechamento?

Por falar em fragilidade, os escândalos que assustam a todos, gerados pelo comportamento inadequado de ministros da Igreja, têm afastado muitas pessoas, quando as misérias, infelizmente, estão presentes por toda parte, inclusive transformados em normas e leis iníquas! Se for limitado o comportamento de um clérigo ou de um cristão, maiores motivos se devem encontrar para dar testemunho da verdade e da retidão, também porque o eventual afastamento é seguido, na maioria das vezes, pela degradação ainda maior dos acusadores, os quais encontram assim motivos para ceder às muitas tentações que repousam em seu interior. Muitos ministros da Igreja passaram por verdadeira conversão, provocados pelo exemplo de pessoas muito simples e piedosas! Também diante do pecado dos outros faz-se necessário perguntar a quem queremos servir: às circunstâncias ou à verdade!

Escolher o serviço do Senhor

Voltando à vida sacramental, a proposta da Igreja do Matrimônio indissolúvel, a rejeição católica ao divórcio seguido de nova união, a fidelidade matrimonial (cf. Ef 5,21-32) e todas as indicações para a prática da castidade de solteiros e casados podem soar conservadoras e atrasadas em nosso tempo, pelas exigências que comportam. Ainda que Deus tenha infinitos e inúmeros caminhos para tocar o coração das pessoas e conduzi-las a ele, não pode a Igreja e não podem os cristãos renunciar ao anúncio do caminho reto neste campo. A escolha é a provocação do momento.

Escolher o serviço do Senhor não significa tornar-se orgulhosamente perfeito, mas contemplar a perfeição do Pai do Céu, que é o amor e a misericórdia, reconhecer os próprios limites, arrepender-se dos pecados, recomeçar milhões de vezes sem perder de vista o ideal do seguimento de Jesus. Quer dizer ainda ir ao encontro dos mais fracos, estender-lhes a mão, sustentá-los numa estrada de conversão, escolhendo com eles, como quem refaz a própria estrada, o bem e a verdade.

Papa alerta sobre invocar o nome de Deus em vão

Dom Alberto Taveira Corrêa

Dom Alberto Taveira foi Reitor do Seminário Provincial Coração Eucarístico de Jesus em Belo Horizonte. Na Arquidiocese de Belo Horizonte foi ainda vigário Episcopal para a Pastoral e Professor de Liturgia na PUC-MG. Em Brasília, assumiu a coordenação do Vicariato Sul da Arquidiocese, além das diversas atividades de Bispo Auxiliar, entre outras. No dia 30 de dezembro de 2009, foi nomeado Arcebispo da Arquidiocese de Belém – PA.

Canção Nova / Portal Kairós