Estratégias e expectativas para a formação da CF 2019

Assessor para o Encontro Arquidiocesano da CF 2019 fala sobre estratégias e expectativas para a formação em Montes Claros

A Arquidiocese de Montes Claros (MG) se prepara para realizar mais um Encontro Arquidiocesano. Dessa vez, será para refletir sobre a Campanha da Fraternidade 2019. Os dias reservados são 16 e 17 de novembro, na Casa de Pastoral, no bairro Santo Antônio. Os participantes irão aprofundar no tema: Fraternidade e Políticas Públicas e o Lema: “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1,27).

Para assessorar todo o encontro, foi convidado o jovem Ismael Deyber Oliveira Silva, graduado em Gestão Pública e mestrando em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Ismael é pesquisador do Núcleo de Estudos em Gestão e Políticas Públicas – Publicus da mesma universidade, é agente de pastoral na Arquidiocese de Belo Horizonte, onde colabora na Pastoral Universitária e no Secretariado Arquidiocesano da Juventude (SAJ). Ismael também está  inserido na articulação da Pastoral Universitária no Regional Leste 2 (Minas Gerais e Espírito Santo) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil.

Para tanto, entramos em contato com Ismael para apontar quais estratégias serão utilizadas e quais expectativas são esperadas para esse encontro que vai mobilizar padres, religiosos, leigos e leigas de nossa Arquidiocese. Ismael teve o cuidado de responder prontamente as perguntas que lhe foram enviadas e antecipou o que podemos esperar desse momento de formação! Vai valer a pena! Boa leitura a todos!

A proposta da Arquidiocese é reunir leigos e padres para aprofundarem o que são as políticas públicas enquanto garantidora de direitos, buscando fazer a distinção entre política de governo e políticas de estado. Como facilitador do encontro de formação, quais estratégias você vai usar para animar a comunidade de fé em um assunto que é tão importante para a sociedade?

Primeiramente, gostaria de ressaltar minha alegria e satisfação de poder colaborar com as reflexões em preparação a vivência da Campanha da Fraternidade 2019 na Arquidiocese de Montes Claros. Para mim será um grande desafio, mas também uma boa oportunidade de poder partilhar as reflexões que trago de minha vivência como seguidor de Jesus, agente de pastoral e também cientista político em formação, que na Universidade concentra seus estudos nas políticas públicas e na maneira como elas impactam as condições de vida da população brasileira, especialmente a mais pobre.

PREOCUPAÇÃO

A Campanha da Fraternidade 2019, que tem o tema “Fraternidade e Políticas Públicas” e o lema inspirado no versículo do Livro de Isaías “Serás libertado pelo direito e pela justiça” (Is 1, 27),vem reforçar a preocupação da Igreja Católica no Brasil com a vida do povo brasileiro, atuação que consolida e difunde seu legado como importante instituição que muito contribui para as discussões e ações de impacto social e político na esfera pública de nosso país. A escolha por trabalhar esse tema em uma Campanha da Fraternidade reconhece a importância da atuação estatal no contexto da sociedade brasileirae incentiva que todo o Povo de Deus, mulheres e homens que formam as comunidades de fé em todos os cantos do país, exerçam de forma protagonista os processos de organização e mobilização no âmbito da sociedade civil e do Estado que visam fortalecer a formulação, implementação, acompanhamento e avaliação de políticas públicas que produzam oportunidades equânimes para todos os cidadãos e ainda, que colaborem para o enfrentamento das desigualdades sociais que, infelizmente, marcam o nosso país.

FRUTOS

Tendo em vista essa grande mobilização e reflexão impulsionada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) através da Campanha da Fraternidade, que é uma ação anual que alcança todas as comunidades de fé do Brasil, é muito importante destacar que essa oportunidade de trabalhar importante tema durante o ano de 2019 carrega o potencial de produzir frutos permanentes e inspirar gestos concretos de transformação das comunidades, potencializar iniciativas de organização e mobilização dos cidadãos e impactar positivamente no formato das políticas públicas, em um momento que enfrentamos desilusão com a política e com as instituições do Estado.

ESTRATÉGIAS

Feito esse preâmbulo, ressalto que as estratégias que utilizarei para incentivar a reflexão acercado tema e dos caminhos a serem escolhidos e repercutidosnas comunidades de fé, considera fundamentalmente as realidades vivenciadas pelas pessoas e os conhecimentos que já possuem como ponto de partida, valendo-se da metodologia bastante difundida nas ações pastorais na América Latina, que é o VER- JULGAR – AGIR.

VER

De forma dialógica,partilhando a realidade e enxergando-a com os principais condicionantes que a impactam, poderemos conhecer como as políticas públicas estão presentes ou ausentes em nosso cotidiano, qual formato elas assumem, quais atores são relevantes para que elas existam, entre outras questões importantes que nos ajudam a forjar a realidade a partir da vivência do público participante. Nesta etapa, também será importante a reflexão acerca dos principais conceitos, como o ciclo de políticas públicas e os tipos que elas podem assumir, as garantias e as responsabilidades trazidas pela Constituição Federal de 1988, aspectos da disponibilidade de recursos para o seu financiamento e ciclo do orçamento público, e ainda a partilha sobre o formato de nossas instituições que, no contexto democrático que vivemos, influenciam todo este processo.

JULGAR

No campo do JULGAR a ideia é que continuemos tendo as vivências do público participante como linha mestra, realizando uma análise sobre como a realidade, influenciada pela estrutura jurídico-política influencia as políticas públicas. Aqui, será importante respondermos indagações como: as políticas públicas que atendem as nossas comunidades são eficazes, eficientes e efetivas? Quais realidades ainda precisam de políticas públicas para serem enfrentadas? Nesse momento, também é propício fazer uma consideração acerca da participação de cada um/a e de suas comunidades no processo de construção das políticas públicas: as pessoas tem participado de forma permanente? Existe espaço para essa participação nas instituições? E o que a Igreja tem feito para colaborar nesse processo?

AGIR

A etapa do AGIR implica reunirmos os questionamentos que permaneceram nas etapas anteriores, destacando os mais importantes, procurando através de um método de planejamento participativo, formular diretrizes de intervenção que possam guiar a mudança da realidade observada. Nessa etapa, será interessante partilhar um método de planejamento que possa ser difundido nas comunidades como instrumento de mobilização e organização para que as demandas coletivas sejam atendidas pelas instituições competentes. O AGIR também será incentivado através da partilha entre os presentes dos canais de participação existentes para ação individual, mas sobretudo coletiva, das instituições de apoio aos cidadãos e das formas como reunir esforços e recursos para a transformação das realidades locais.

Como a Igreja, em suas diferentes realidades culturais, pode aplicar a CF 2019 sem fugir do tema central?

O Brasil é um grande país, tanto em termos territoriais e populacionais, como também se destaca em termos da diversidade cultural e social que o constitui. Outro traço importante a ser destacado, e que não nos traz orgulho, mas nos alerta e nos mobiliza a agir no que concerne a sua transformação, são as severas desigualdades que são condicionadas por aspectos econômicos, sociais, geográficos e informacionais. Para trabalhar um tema tão importante e abrangente nessa realidade que é desafiadora, será essencial a mobilização de todos os sujeitos eclesiais que constituem o Povo de Deus. A sensibilização e o empenho de todos será muito importante. Dentre eles, destaco o papel dos leigos e leigas, que são a maioria e estão de forma mais direta inseridos nas realidades de decisão e influência dos processos que constituem as políticas públicas. As leigas e os leigos são atores essenciais para o sucesso dessa Campanha da Fraternidade e, para que os seus resultados sejam permanentes, deverão se engajar na difusão de seus materiais e na realização dos momentos de celebração e partilha, colaborando para que o maior número de cidadãos sejam atingidos.

Para além de reflexões, que são importantes porque nos orientam para a prática, será essencial fortalecer a difusão do tema nas escolas, nos meios de comunicação, dar o testemunho através da presença dos cristãos católicos nos espaços de controle social, incentivar a participação junto aos poderes executivo e legislativo em cada município, e também em organismos da sociedade civil, que de forma auxiliar colaboram na implementação de políticas públicas. Dessa forma, será papel da Igreja partir de cada realidade, de forma colegiada e seguindo as diretrizes da CNBB, com o intuito de promover ações que se adequem a vida e as necessidades do povo em cada Diocese de nosso grande país.

Como jovem que és, e levando em conta que em 2019 também a Igreja vai refletir sobre o rosto das juventudes, como podemos mobilizar os jovens para trabalhar políticas públicas?

A mobilização dos jovens para participação em todo o processo que envolve uma política pública é essencial. Existe uma concepção de que aos jovens não interessam os assuntos coletivos e que envolvem política. Mas isso é uma falácia. Cresce, a cada dia, a participação das juventudes em diversos contextos sociais e institucionais. O que mudou foi a forma como ocorre essa participação. Vivemos uma época em que difundem-se as maneiras de participação mediadas pela tecnologia, como nas redes sociais, mas onde também são relevantes a organização através dos coletivos, as manifestações por meio de ocupações de espaços públicos, e a presença em mandatos parlamentares, além de partidos e organizações que defendem causas específicas.

Também a Igreja Católica conta com uma participação expressiva de jovens, organizados em pastorais e movimentos, que tornam a nossa caminhada de fé mais alegre e dinâmica. Existe um grande percurso de reflexão e ação sobre como potencializar a presença dos jovens em nossas comunidades de fé e de engajá-los nas ações, como as propostas pela Campanha da Fraternidade.  Encerrado recentemente, o Sínodo dos Bispos foi mais uma dessas iniciativas (e de caráter mundial). Essa importante reunião convocada pelo Papa Francisco teve como tema “Os Jovens, a Fé e o Discernimento Vocacional” e se debruçou sobre esse público e suas formas de organização. Os resultados já estão chegando às Dioceses e as Paróquias para orientar as ações pastorais e a construção coletiva e participativa de diretrizes que possam colaborar para que os jovens potencializem suas maneiras de viver a fé e de canalizarem suas forças para realizarem ações que tenham impacto na melhoria de suas comunidades. O Papa Francisco, grande incentivador dos jovens e de suas ações transformadoras inspiradas pela fé e o seguimento de Jesus, disse quando esteve na Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro em 2013, uma frase que pode orientar-nos na sensibilização dos jovens a se comprometerem cada dia mais: “”Queridos jovens, por favor não olheis para o mundo de cima do balcão! Ide ao encontro do mundo! Jesus não ficou em cima do balcão. Ele mergulhou… Mergulhai na vida como Jesus fez”. (Papa Francisco, na JMJ Rio, 2013 – DOCat, pág. 293).

Dessa forma, podemos mobilizar os jovens a participar das atividades da Campanha da Fraternidade, e de forma mais concreta nas ações e processos cotidianos que envolvem as políticas públicas convidando-os a tomarem parte de suas responsabilidades enquanto cidadãos e seguidores de Jesus. A construção de uma sociedade mais justa, fraterna e solidária passa por essa participação e comprometimento. Para acolher o público juvenil precisamos mostrar-lhes o quanto a sua presença é importante e que a continuidade da caminhada se dará pela sua colaboração e empenho em fortalecer o que é bom e transformar positivamente o que não é.

Em um país, onde a maioria é pobre e é notório a má distribuição de renda, como podemos falar de políticas públicas e fraternidade sem ferir a dignidade daqueles que estão à margem da sociedade?

Falar em políticas públicas e fraternidade no Brasil requer um olhar redimensionado para as condições de vida da população em sua totalidade. Fraternidade é uma ideia força que delimita a convivência entre semelhantes de maneira igual, e por isso torna-se muito importante para a concepção de cidadania presente no mundo moderno.

Nesse contexto, as políticas públicas como ações do estado (mas não exclusivamente deste) para o enfrentamento de problemas presentes na sociedade precisam ter em perspectiva essa concepção de cidadania, que traz consigo a igualdade de oportunidades.  O Estado, enquanto agente que formula e implementa políticas públicas deve ter como orientação a criação de oportunidades equânimes para toda a população. Não podemos, entretanto, desconsiderar as fortes desigualdades presentes em nosso país no momento de decidir como os recursos serão gastos e quais políticas públicas serão priorizadas.

Em contextos como o que temos em nosso país é necessário que o Estado tenha uma orientação progressiva na aquisição de suas receitas e redistributiva na destinação de seus gastos. Isso implica priorizar políticas públicas que atendam e propiciem a garantia da dignidade dos mais pobres.

A Constituição Federal de 1988, chamada por muitos como Constituição Cidadã por prever direitos sociais e garantias para toda a população brasileira, é uma grande aliada no cumprimento do grande propósito de nos tornarmos um país mais justo. Precisamos, para dar condições de plena cidadania a todos os cidadãos, e especialmente aos mais pobres, nos orientar pelas diretrizes da Constituição Federal de 1988, e também por valores que para nós cristãos são essenciais, e que por isso devem marcar nossa atuação na esfera pública. Um desses valores é a solidariedade, que nos faz responsáveis pelo bem-comum, que é o fim que orienta, ou deveria orientar a ação política.

Termino com uma citação do discurso do Papa Francisco no 1° Encontro dos Movimentos Populares, em 2014

“Solidariedade é uma palavra que nem sempre agrada; diria que algumas vezes a transformamos num palavrão, não se pode dizer; mas uma palavra é muito mais do que alguns gestos de generosidade esporádicos. É pensar e agir em termos de comunidade, de prioridades da vida de todos sobre a apropriação dos bens por parte de alguns. É também lutar contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de trabalho, a terra e a casa, a negação dos direitos sociais e laborais. É fazer face aos efeitos destruidores do império do dinheiro: as deslocações forçadas, as emigrações dolorosas, o tráfico de pessoas, a droga, a guerra, a violência e todas aquelas realidades que muitos de vós suportam e que todos estamos chamados a transformar. A solidariedade, entendida no seu sentido mais profundo, é uma forma de fazer história e é isto que os movimentos populares fazem.”
Papa Francisco, Vaticano, 2015 – Disponível em (https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/speeches/2014/october/documents/papa-francesco_20141028_incontro-mondiale-movimenti-popolari.html)

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Arquidiocese de Montes Claros / Portal Kairós