Liturgia: o ciclo do Natal 2022

Ciclo do Natal 2022 contemplar a encarnação

“Ó quanto te custou ter-me amado!” (S. Afonso de Ligório)

Ciclo do Natal 2022

Confira o canal da Nossa Paróquia de Santa Rita de Cássia

I – INTRODUÇÃO

O Ano Litúrgico nos faz celebrar em comunidade duas dimensões maravilhosas da Revelação cristã: a Vida de Jesus por nós, em nós e conosco e a nossa vida em Jesus, com Ele e por Ele. Celebramos não apenas para recordar, mas principalmente para atualizar em nosso favor a graça redentora que o Espírito Santo vem derramando sobre a humanidade, desde que o Verbo divino se fez carne e veio morar no meio de nós. A primeira dimensão do Ano Litúrgico nos oferece dois ciclos: o ciclo do Natal e o ciclo da Páscoa. Neles celebramos tudo o que aconteceu com Jesus e tudo o que Ele fez e faz por nós. A segunda dimensão é chamada simplesmente de ciclo do Tempo comum, quando recordamos mais frequentemente os nossos santos e tantos dos nossos eventos atuais, alguns do quais nos provocam alegria e agradecimento, e outros nos fazem suplicar o socorro divino. O ciclo do Natal é aquele que abre o Ano Litúrgico da Igreja. Vamos refletir sobre a sua formação, a sua mensagem e a sua celebração.

II. HISTÓRIA

A celebração do Natal somente começou a se realizar a partir do século IV. Faz parte de um ciclo que compreende as 4 semanas do Advento e as Festas do Natal, da Epifania e do Batismo de Jesus. Entre o Natal e a Epifania, celebramos também as Festas de Santo Estevão, dos Santos Inocentes, de São João Evangelista e de Maria, Mãe de Deus. Embora o ciclo do Natal se encerre com o Batismo de Jesus, pode-se dizer que a festa da Apresentação de Jesus no templo, no dia 2 de fevereiro, ainda é um eco do tempo natalino.

O Advento foi se formando a partir de iniciativas das diversas Igrejas locais, como preparação ao Natal e, às vezes, também em preparação
ao Batismo de novos cristãos, que era celebrado na Epifania. No século VI o Papa São Gregório Magno fixa o período de 4 semanas para o rito romano e o caracteriza também como preparação à segunda vinda de Cristo.

A celebração do Natal para nós é a solenidade central desse ciclo. Começa com a Missa da vigília e se encerra com a solenidade da Mãe de Deus, no dia 1s de janeiro. A data de 25 de dezembro foi calculada a partir da festa da Anunciação do Anjo a Nossa Senhora, no dia 25 de março. Junto com a festa da Epifania, no dia 6 de janeiro, denominada “Natal bizantino”, é provável que tais celebrações tenham surgido no ambiente cristão da Palestina, de modo especial em Belém, por volta do século IV. Quando entre os séculos III e IV, os imperadores romanos tentaram reavivar o culto ao deus sol vitorioso, as comunidades cristãs do ocidente reforçaram a celebração do Natal como sendo a festa do nascimento de Jesus, o verdadeiro Sol da humanidade. São João Crisóstomo, no século IV, e o Papa São Leão Magno, no século V, com suas profundas homilias sobre a Encarnação, foram os grandes divulgadores desta festa. E somente no século XIII iniciou-se a tradição da montagem do presépio, a partir de uma iniciativa de São Francisco de Assis.

A segunda grande festa do Ciclo do Natal é a Epifania, no dia 6 de janeiro, que se formou na mesma época da celebração do Natal. Epifania significa manifestação divina. Para o rito latino, a celebração acontece ao redor do presépio, onde Jesus se manifesta como Salvador de todos os povos, representados pelos Magos do oriente.

A festa do Batismo de Jesus, ainda que cronologicamente não se encaixe no período do seu nascimento e da sua infância, faz parte da sua manifestação como o verdadeiro Salvador da humanidade. Na lógica litúrgica, o Batismo sublinha o fato de que, em Jesus, é toda a Trindade santa que se manifesta aos homens, indicando Jesus como o Messias enviado pelo Pai e envolvido pelo seu Espírito. No acontecimento do rio Jordão, começa a revelar-se o mistério da sua divindade como Filho eterno e querido do Pai.

As demais festas da oitava do Natal, de Santo Estevão, como o primeiro a dar a vida em testemunho à sua fé na divindade de Jesus, de São João Evangelista, como o grande teólogo do mistério da Encarnação com o prólogo do seu Evangelho, dos Santos Inocentes, que foram sacrificados cruelmente por Herodes, da Sagrada Família, como novo lugar sacro da presença divina e da própria festa da Mãe de Deus, destacando o papel privilegiado de Maria Santíssima no mistério da Encarnação, constituem celebrações que se encaixam naturalmente no Ciclo do Natal.

Ciclo do Natal 2022
III. MENSAGEM

O ciclo do Natal compreende não apenas o Natal, mas também a Epifania e o Batismo de Jesus, como lembrança da sua manifestação aos homens. É um tempo em que a Igreja, em todas as celebrações, tem como foco principal a proclamação de fé no surpreendente mistério da Encarnação: Deus se faz carne e vem habitar no meio de nós, vem viver a nossa existência humana, vem ser o nosso Caminho, nossa Verdade e nossa Vida, com a finalidade de nos libertar de todas as nossas limitações espirituais, físicas e morais. Devemos ter bem claro que não se tratam de datas históricas, segundo o nosso calendário, mas de acontecimentos fundamentais da nossa fé, que marcaram para sempre a história da humanidade e são a razão de ser da nossa fé e da existência da nossa Igreja.

O Advento, mais do que espera, significa chegada. Ele nos convida a celebrar a chegada do Verbo divino, que assume a nossa natureza humana plenamente, manifestando-se como presença viva de Deus dentro da nossa história. Jesus é a plenitude e o ápice dessa espera, anunciado com ansiedade pelos profetas do Antigo Testamento. Contudo, ao celebrar o Advento, a Igreja, ao mesmo tempo em que acolhe com alegria essa chegada histórica do Verbo divino e se prepara para celebrar com festa sua presença sacramental, também anuncia com esperança sua segunda Vinda, quando completará o mistério da Redenção da humanidade.

O ciclo do Natal é também o tempo de Nossa Senhora. Sua personalidade feminina se projeta para além de sua pessoa e Maria Santíssima torna-se a imagem da Igreja e da humanidade que não só acolhe, mas colabora ativamente para que o Verbo se faça Menino e possa habitar no meio de nós. A Virgem Maria representa o polo humano do mistério da Encarnação. Ela foi a interlocutora principal, cuja resposta positiva e humilde ao mensageiro de Deus faz irromper a ação divina da Encarnação do Verbo. Ao lado de Maria, outras pessoas são convocadas por Deus e entram nesta história incrível da Encarnação.

O primeiro é seu esposo São José, que não duvida em assumir o cuidado daquela família especial. Ele discretamente vai ajeitando ou até improvisando as coisas para providenciar tudo o que era necessário. Isabel e Zacarias, os Pastores, os Magos do oriente, todos nos asseguram que de fato Deus se fez presente dentro de uma história concreta, numa data precisa, e quis contar com colaboradores de sua iniciativa de amor. E, entre tantos personagens, destaca-se São João Batista, que foi o maior dos profetas. Ele não só fez ecoar os grandes
profetas do Antigo Testamento, mas pode anunciar e indicar quem era o Messias esperado.

Finalmente, o ciclo do Natal é o tempo do Espírito Santo, aquele cuja sombra cobriu a jovem Maria, para que gerasse milagrosamente o Filho do Altíssimo. Essa mesma sombra continua atuando sobre a Igreja, sobre todos os cristãos e todas as comunidades, para que a Encarnação não seja apenas uma recordação, mas uma renovação da presença viva de Jesus no meio de nós.

Espiritualidade: A atitude espiritual de cada cristão e de cada comunidade deve ser de espera e de confiança, de alegria e de prontidão para sair ao encontro do Senhor. Encerra-se um ano civil, marcado por êxitos e também por perdas e desilusões. Não raro, o cansaço provoca certo desânimo diante de tudo o se sonhou e não se conseguiu ou não aconteceu. É o momento em que Deus se revela como Aquele que jamais deixa de confiar na humanidade, de dar-lhe uma nova chance e de recordar-lhe que seu Filho Ressuscitado continua presente dentro da sua história como o Caminho, a Verdade e a Vida. Celebrar a Encarnação é renovar a experiência de um Deus que se fez próximo de nós, que assumiu nossas fragilidades para ensinar-nos o caminho da libertação e que caminhará conosco até o final dos tempos. Todos os demais protagonistas desse ciclo litúrgico nos fazem acreditar que existiu, existe e existirá sempre uma multidão de seres humanos cheia esperança, motivada pela fé e perseverante na caridade, que jamais desiste de caminhar em frente e de ajudar a construir uma história, em que reinem a paz e a justiça. Por isso, este tempo litúrgico oferece também a proposta de refazer as contas da vida, pedir perdão e perdoar as dívidas de amor ao longo do ano, recarregar a luz interior e seguir em direção à paz. Assim, com o Advento, a Igreja já inicia o seu novo Ano Litúrgico, para que ao terminar o ano civil, no dia 31 de dezembro, o cristão já esteja caminhando em frente, carregando no presépio do seu coração a sua fonte de luz e de paz, a verdadeira Estrela que guia os passos da sua vida.

IV. CELEBRAÇÃO

O Advento compreende as 4 semanas que antecedem à festa do Natal. A característica própria dessas semanas deve ser tomada da Liturgia da Palavra.

O 1º Domingo do Avento sublinha a segunda vinda de Jesus, que chegará de improviso. Para que os cristãos se mantenham de pé, diante das provações da história, devem caminhar sempre em direção à luz e se manter prontos e vigilantes, vivendo no direito e na justiça.

O 2º e o 3º Domingos do Advento são caracterizados pela figura de João Batista, que nos prepara para cada Natal assim como preparou o seu povo para acolher Jesus. E ele dá testemunho da luz, pregando a justiça e a honestidade pas relações sociais, ele próprio deixando sempre bem claro que Jesus será maior do que ele.

O 4º Domingo do Advento apresenta o fato da Anunciação, com as reações de José, no ano A, de Maria, no ano B, e de Isabel, no ano C. São os protagonistas convocados por Deus como colaboradores nesta plenitude dos tempos, quando toda a revelação passada se faz carne na pessoa de Jesus.

Os sete dias que antecedem o dia 25 de dezembro, de 17 a 23, oferecem textos litúrgicos próprios, em que o Evangelho da Infância de Lucas, cap. 1, é proclamado em leitura contínua.

A tradição da coroa do Advento oferece um belo símbolo, que visualiza os sentimentos que a comunidade deve buscar em sua preparação para o Natal: o verde da esperança, o roxo da conversão, o rosa ou vermelho do amor e o branco da paz. A solenidade do Natal, que representa o centro desse ciclo para o rito romano, se enriquece com 4 textos diversos para a Proclamação da Palavra: na Missa da Vigília, lê-se a genealogia de Jesus, segundo Mateus e a anunciação a José, para que assuma Maria e o Menino; a Missa da Noite ou do galo é a celebração central do Nascimento de Jesus, em que Lucas narra a circunstância de ter que ir a Belém para o recenseamento, a dificuldade de achar um lugar discreto, onde Maria pudesse dar à luz, e o anúncio aos pastores; a Missa da manhã do dia 25 narra a visita dos pastores, que se enchem de alegria e partilham sua experiência com todos; na Missa da tarde do dia 25, proclama-se o prólogo do Evangelho de João, como uma meditação profunda sobre o mistério da Encarnação.

A Festa da Sagrada Família, dentro da oitava do Natal, proclama a mudança radical realizada pelo mistério da Encarnação: a Família humana, como comunidade original criada por Deus, é instituída para ser o novo templo, onde o Verbo divino vem morar para ser nosso irmão. Caducam os templos e todos os outros sinais tidos como sagrados ou mágicos da presença divina. É esta família que irá proteger aquele Menino especial, fugindo para que não seja assassinado por Herodes (Mt 2,13-23); leva-o ao templo para ser consagrado a Deus como primogénito, mas é fora do templo que Simão e Ana o reconhecem como o Messias portador da salvação, ou seja, é Ele o verdadeiro templo (Lc 2,22-40); e quando já adolescente peregrina até Jerusalém, tomando a iniciativa de oferecer a sua sabedoria aos doutores da Lei, retorna contudo a Nazaré, onde irá crescer e amadurecer para assumir sua missão evangelizadora. Sua Mãe torna-se a imagem ideal da comunidade que acolhe e medita no coração todas as surpresas de Deus que vão se revelando através de seu Filho. Eis uma festa que se universalizou nos últimos séculos, a partir de 1921, porque é cheia de significado para a nossa sociedade.

Ainda dentro da oitava do Natal, em 1º de janeiro, celebramos a passagem do ano com a Solenidade de Maria, Mãe de Deus (Theotókos). É uma celebração que se origina do Concílio de Éfeso (séc. 5), quando se definira a maternidade divina de Maria. Somente com o Papa Pio XI foi estendida como celebração litúrgica para todo o rito romano. Mesmo com esta origem, e porque se trata de passagem do ano civil, esta celebração adquire a característica de ação de graças (Te Deum) pelo ano que se encerra e de súplica pela Paz para o ano que se inicia (Dia Mundial da Paz). A figura de Maria surge como Aquela que gerou o Príncipe da Paz e pode interceder junto a Ele por seu povo. O Evangelho (Lc 2,16-21) relembra a visita dos pastores, aos quais os Anjos haviam cantado: “Glória a Deus nas alturas e Paz na terra aos homens por Ele amados!”

Ao celebrar a Epifania, a Igreja continua proclamando a universalidade de Jesus e de sua Mensagem para toda a humanidade. Mesmo que o fato histórico seja impreciso, a Palavra de Deus deixa bem claro que Jesus veio como Messias e Salvador não somente para os judeus, nem mesmo para uma só religião. Ele veio como revelação divina de libertação para todos os que buscam a Deus de coração sincero. Os Magos do Oriente representam todos os demais povos fora da Judeia, e são sábios porque não somente desejam, mas também caminham para encontrar uma resposta ao mistério de Deus. E a encontram na vida daquele pequeno recém-nascido. A figura de Herodes simboliza o ser humano inescrupuloso em seus atos para manter seu poder e riqueza. Seus conselheiros, sacerdotes e escribas teólogos, são os teóricos que indicam o caminho, mas são incapazes de dar um passo por si próprios. Por isso, os Magos se enchem de alegria porque percebem que aquela criança veio para ser a Estrela da humanidade, que os guiará até a eternidade.

Finalmente, a festa do Batismo de Jesus é como que o nascimento de Jesus para a pregação explícita do Reino de Deus no meio do povo. Por isso está dentro do ciclo do Natal. Mas, de fato, nossa redenção já vinha acontecendo desde o primeiro instante da sua concepção. Ao vivenciar a existência humana, sua natureza divina já ia realizando a libertação definitiva da natureza humana das garras do mal e da morte.

Seu batismo transforma um antigo rito de compromisso moral num sacramento de filiação divina, como dom que Jesus traz em sua natureza divina e da qual nos fará participantes. O Pai e o Espírito Santo se manifestam e apresentam Jesus como o verdadeiro Messias. E o que o Pai revela sobre Jesus, dizendo: “Este é meu Filho querido, nele está todo o meu amor” (Mt 5,1-9), Ele irá repetir sobre cada criatura batizada
na água e no Espírito, fazendo-a nascer novamente (Lc 3,22). É esse amor que vencerá o mundo. Assim, o Natal de Jesus, nossa Cabeça, será completado com o Natal do seu Corpo, que somos todos nós.

 

Portal Kairós