Mês da Bíblia 2021: Qual a finalidade da carta aos Gálatas?

Carta aos Gálatas

Nós podemos dizer que Gálatas pertence ao gênero epistolar, com uma finalidade apostólica, ou seja, traz um discurso de Paulo dirigido aos gálatas, num determinado momento de conflito no interior da comunidade. Seu objetivo era superar a crise provocada pelos cristãos vindos do judaísmo, os chamados judaizantes (Gl 1,7.9; 4,17; 5,7.8-10.12; 6,12.13), ao exigirem que aqueles que aderissem a Jesus Cristo, sem pertencerem à cultura e religião judaica, passassem pela circuncisão e praticassem os mandamentos determinantes para a identidade judaica (Gl 3,2; 4,10.21; 5,3-4). Eles, ainda, diziam que Paulo não anunciava aos gentios o verdadeiro Evangelho, conforme os outros apóstolos ensinavam. Apesar de não serem expressamente identificados na Carta aos Gálatas, possivelmente os judaizantes eram cristãos vindos de Jerusalém.

Ao entrecruzar dados autobiográficos e teológicos, Paulo reafirmou que os gentios não precisavam circuncidar-se nem obedecer aos mandamentos exigidos pelos judaizantes, ou seja, ninguém precisava ser um prosélito do judaísmo para tornar-se depois um seguidor ou uma seguidora de Cristo com o Batismo, bem como comprovou que a redenção provém da fé em Cristo Jesus e não da prática da lei. Desse modo, defendeu a validade de seu Evangelho, e abordou um dos temas principais de sua “teologia”, a justificação pela fé em Cristo crucificado e ressuscitado. Por estar na fase final da ação missionária de Paulo, Gálatas reflete toda a experiência e a maturidade teológica desse incansável apóstolo e missionário de Jesus Cristo e nos oferece algumas informações sobre as comunidades primitivas (Gl 2,1-14).

Estrutura da Carta aos Gálatas

Há várias propostas de subdivisão das argumentações presentes no texto. De forma geral, Paulo segue o esquema clássico de uma carta: temos o cabeçalho (os remetentes, os destinatários, a saudação) com a indicação do problema a ser tratado (Gl 1,1-10), o corpo da carta, no qual é desenvolvido o conteúdo (1,11–6,10), e a saudação final (6,11-18).

O corpo da carta articula-se em três partes: a) dados da vida de Paulo e defesa da justificação pela fé em Cristo, e não pela observância das obras da lei (1,13–2,21); b) seis argumentos que comprovam a justificação pela fé, tirados da experiência da comunidade
e da Escritura, particularmente das narrativas sobre Abraão (3,1-4,31); e c) a parte exortativa, advertindo os gálatas a manterem a liberdade em Cristo e a caminharem segundo o Espírito (5,1-6,10). Conclui-se com alguns comentários pessoais e com uma breve bênção (Gl 6,11-18), conforme o esquema que segue:

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Destaques teológicos

A Carta aos Gálatas é um dos escritos paulinos mais importantes por evidenciar o que Paulo entende por justificação, por Evangelho, e por conter uma variedade de termos que expressam a ação salvífica de Deus por meio de Jesus Cristo. Ela é também uma carta polêmica e, por isso, é a que mais contém aspectos autobiográficos, dado que o Evangelho pregado por Paulo aos gentios (aqueles de cultura não judaica) e a sua autoridade apostólica tinham sido colocados em discussão pelos judaizantes.

Ao percorrer a carta, podemos identificar alguns eixos do ensinamento paulino. O primeiro é o teológico, quando expressa a relação entre Deus Pai e seu filho Jesus (1,16; 2,20; 4,4.6). Deus Pai é o agente de todo o plano da redenção. É ele que estabelece quando será o tempo de enviar o Filho e o Espírito e, assim, revelar seu plano de amor ao mundo e a todos nós. Ele é o Pai que nos chama (1,6.15-16), dele recebemos graça e paz (1,3), somos justificados diante dele (3,11) e, mediante o Batismo e a fé em Jesus Cristo, nos tornamos seus filhos adotivos (3,26; 4,7).

O segundo eixo é o cristológico-soteriológico, que afirma a gratuidade da redenção concedida por Jesus Cristo, o que Paulo chama de justificação pela fé, sendo esse um dos pontos teológicos centrais da carta. Para o apóstolo, a lei judaica conduziu o povo eleito até a plenitude da revelação, que se dá com a vinda de Cristo. Dessa forma, a promessa feita a Abraão (Gl 3,6-9), por ter acreditado, realiza-se em Jesus (Gl 4,1-5), de forma particular, no fato de ele conceder a redenção a toda a humanidade (Gl 2,16.17.21; 3,8.11.21.24; 5,4.5). Outro elemento importante é a fé, como adesão à iniciativa salvífica do Pai, mediada pela obediência do Filho (Gl 2,19-20) e pela ação do Espírito (Gl 4,6-7).

Paulo usa o termo “evangelho” para falar sobre o alegre anúncio salvífico centrado no mistério da vida de Cristo, sobretudo, no mistério pascal (Gl 1,11-12). O cristão, acolhendo o Evangelho e a ele aderindo, participa gratuitamente, por meio do Batismo, da filiação divina (Gl 3,26–4,7). Essa filiação se expressa concretamente na vivência da liberdade em Cristo, que consiste em deixar-se conduzir pelo Espírito (Gl 5,1-26), isto é, ter uma vida pautada pelo amor, pelo serviço (Gl 5,13; 6,1-10), sendo uma nova criatura (Gl 6,15).5 Portanto, o terceiro e último tema teológico é o papel do Espírito no plano da salvação e a dimensão ética, isto é, a prática cotidiana de quem o acolhe em sua vida.

 

SAB / Portal Kairós